domingo, 23 de maio de 2010

A vez da biodiversidade

No Ano Internacional da Biodiversidade, da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, sobre o tema e da 10ª COP sobre Diversidade Biológica, o superintendente de conservação do WWF-Brasil, Cláudio Maretti, que esteve presente na reunião preparatória para este encontro, terminada às vésperas do Dia da Biodiversidade, conta quais são as expectativas e os principais desafios para chegarmos a um resultado satisfatório de conservação da natureza, tanto do ponto de vista econômico, quanto socioambiental

Thays Prado - Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentável - 22/05/2010

A perda da biodiversidade vem preocupando não apenas cientistas e representantes da sociedade civil organizada, mas também economistas, empresários e alguns governos. Em função das mudanças climáticas e da destruição dos diversos ecossistemas pelo ser humano, mais do que nunca, presenciamos o desaparecimento de inúmeras espécies que sequer chegamos a conhecer ou catalogar.

Por isso, 2010 foi considerado, pela Organização das Nações Unidas, o Ano Internacional da Biodiversidade. Em outubro, a cidade de Nagoya, no Japão, recebe também a 10ª COP/CBD - Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, que vai avaliar o desempenho dos países-membros no cumprimento do plano estratégico da CBD, redigido em 2002, além de elaborar um novo período de compromissos para a conservação da biodiversidade, a promoção do uso sustentável dos recursos naturais e a distribuição justa dos benefícios obtidos com essa utilização.

O Panorama Global da Biodiversidade deste ano já adiantou que nenhum país conseguiu cumprir integralmente as metas e, até agora, as expectativas para a COP10 não são muito animadoras. No entanto, até lá, muitos avanços podem acontecer.

Entre os dias 10 e 21 de maio, representantes dos países signatários da convenção estiveram presentes em Nairóbi, no Quênia, para uma reunião técnico-científica preparatória, que procurou elaborar um esboço do acordo que deve ser fechado na COP10. O grande impasse a ser resolvido em outubro, no Japão, será sobre o grau de ambição do documento.

O superintendente de conservação do WWF-Brasil, Cláudio Maretti, participou do encontro e conversou com o Planeta Sustentável sobre os principais pontos que envolvem a garantia da conservação da biodiversidade neste momento. E enfatizou: o assunto é de grande interesse para o Brasil e temos muito a contribuir.

Como você avalia a atual situação mundial em termos de biodiversidade?

O Panorama Global da Biodiversidade recém-divulgado mostra que as metas do plano estratégico da Convenção sobre Diversidade Biológica, que termina este ano, não serão alcançadas. Apenas alguns esforços específicos vão dar resultado. A intenção é que o novo plano estratégico, de 2011 a 2020, se torne mais eficaz e apresente 20 metas claras e ambiciosas, além de uma maior integração entre os temas englobados pela biodiversidade.

Entre os eixos que devem ser contemplados no novo plano, o que seria fundamental para termos um bom acordo firmado em Nagoya?

Nosso objetivo maior é evitar a perda dos ecossistemas. Alguns países defendem que se reduza em 50% a destruição dos ecossistemas, o presidente Lula, em Copenhague, se comprometeu a diminuir o desmatamento da Amazônia em 80%, mas precisamos lutar para que a perda de habitats chegue a zero nos próximos dez anos.

Outro tema importante diz respeito à economia. É preciso colocar o valor dos ecossistemas nas contas nacionais e acabar com os subsídios perversos, que permitem o andamento de empreendimentos que destroem a natureza, como é o caso de Belo Monte. A sociedade vai pagar pela geração de eletricidade, mas ninguém está contabilizando o que se perde em termos de recursos florestais e peixes, por exemplo. E nem estamos olhando para os impactos gerados por conta da fragmentação dos rios, como a alteração do regime de cheias.

Também precisaremos olhar para as mudanças climáticas que, segundo os modelos apresentados pelos cientistas, já são a segunda maior ameaça à biodiversidade. Além de discutir qual a porcentagem mínima de manutenção de áreas protegidas, que é um tema que tem tido um sucesso parcial.

Quais são as expectativas para a COP10, em Nagoya, em outubro?

Neste momento, não estou muito otimista; acho que vamos conseguir resultados tão fracos ou piores do que os que foram levados para Copenhague. A diferença é que, na COP10, vai sair um acordo. De qualquer forma, as metas devem ser fracas. Em vez de determinar que, em dez anos, devemos parar com a perda de biodiversidade, que seria o ideal, definiremos algo como: em dez anos, devem ser implementadas as políticas necessárias para parar a perda da biodiversidade.

Mas estamos em frase de evolução, então, tudo pode melhorar muito até outubro.

Até lá, esperamos que o movimento feito pela sociedade civil cresça, temos o dia da biodiversidade (22 de maio), o dia do meio ambiente (5 de junho)... A principal incógnita não é o que vai acontecer em Nagoya, e, sim, em Nova York, em setembro, na Assembléia Geral da ONU sobre Biodiversidade, um evento inédito comparado à Rio 92 em termos de importância.

Quais são os maiores entraves ao avanço do novo plano estratégico da Convenção?

Hoje, o país que mais causa problemas é a China, porque eles não abrem o jogo. A impressão que dá é que eles querem se afirmar ao mundo como superpotência e não aceitam as propostas dos outros países que ameacem a sua flexibilidade.

Mas, em geral, os países desenvolvidos – sobretudo os europeus, mas também os Estados Unidos e os asiáticos – pedem por mais proteção da natureza. Já os menos desenvolvidos, muitos deles ricos em recursos naturais, querem mais cooperação técnica, financiamento e repartição de benefícios.

Não adianta dizer aos países menos desenvolvidos para proteger a biodiversidade se não houver recursos financeiros para isso. Para preservar a Amazônia, por exemplo, não adianta botar migalha. A floresta é quase do tamanho da Europa, precisamos de recursos compatíveis. Mas quando o assunto é dinheiro, a conversa muda de figura. Nos próximos dez anos, precisávamos investir os mesmos trilhões que foram injetados na economia, em 2008, para sanar a crise dos bancos.

De que forma a biodiversidade pode se tornar um assunto relevante na agenda dos países?

Muita gente atribui valor a esses ecossistemas pelos medicamentos que podemos descobrir ali, no futuro, por exemplo. Mas é necessário ressaltar os serviços ecológicos prestados por cada ecossistema e que garantem o equilíbrio do todo. Preservar a biodiversidade está diretamente relacionado ao valor econômico e ao bem-estar de uma sociedade. Se continuarmos a degradar os ecossistemas e destruir espécies, teremos cada menos condições de promover o alívio da pobreza e de resistir a catástrofes naturais.

O tsunami que atingiu o sudeste asiático há dois anos teve conseqüências bem piores nos países que haviam destruído seus manguezais, por exemplo. Da mesma maneira que as enchentes e os deslizamentos que acontecem no Brasil também são agravados sem a cobertura vegetal. As pessoas perdem dinheiro e, muitas vezes, perdem suas vidas. E ainda temos piorado a situação com as emissões de carbono e o agravamento das mudanças climáticas. Esse tipo de valor não é contabilizado nas contas nacionais, nem para o bem, nem para o mal. Precisamos saber qual é a importância do Pantanal ou da Amazônia para a economia do país e o bem-estar das pessoas.

Se não estabelecermos metas ambiciosas, estaremos decidindo por impedir as pessoas de ter qualidade de vida e de ficarem livres das conseqüências mais dramáticas das mudanças climáticas e da pobreza.

Existem pessoas que vivem diretamente desses recursos e que vão sofrer muito com a perda da biodiversidade. No Brasil, alguns milhões de pessoas têm dependência direta dos recursos naturais do país. Se olharmos para a Índia, a Rússia, a China e alguns países da África, a quantidade de pessoas nessa situação é bem maior. Se formos além dessa dependência direta, toda a economia depende dos recursos naturais. Pode parecer óbvio, mas muitos países não se dão conta disso. Biodiversidade não é problema de ministro do Meio Ambiente ou de um instituto especializado no assunto. É problema dos chefes de Estado e de governo.

O que você espera do Brasil para incentivar esse movimento?

Espero que o Lula faça pela biodiversidade o que fez em Copenhague. Que leve para Nova York um movimento capaz de mobilizar os países a assumir uma postura mais ambiciosa e cobre dos países desenvolvidos dinheiro para bancar os menos desenvolvidos para que a perda de habitats possa ser zerada nos próximos dez anos.

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