domingo, 26 de setembro de 2010

Tornando a sua próxima compra sustentável

Por Fabio Feldmann (*) - Terra Magazine


Em 07/2007 ocorreu uma reunião na Fundação Getúlio Vargas sobre Construção Sustentável na Cidade de São Paulo, promovido pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo (SVMA), ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade e pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da própria Fundação (GVces).
O número de pessoas inscritas para o evento foi tão grande que os organizadores tiveram que colocar as pressas um telão para atender a surpreendente demanda.

O que isso significa?

Basicamente é necessário compreender que existe efetivamente na sociedade uma vontade de se encontrar alternativas para os problemas socioambientais da vida contemporânea, refletindo essa demanda na busca de soluções do que se denomina consumo sustentável, isto é, de um lado a oferta de bens e serviços com menor impacto no meio ambiente, e, de outro, que simultaneamente atendam critérios sociais. Em outras palavras, estamos nos referindo à madeira certificada, eletrodomésticos com baixo consumo de energia, tintas sem produtos tóxicos, computadores e aparelhos celulares com projetos de utilização de seus componentes pós-consumo, papel reciclado, enfim, objetos frugais do cotidiano que venham e possam atender a equação da sustentabilidade, além daqueles elementos básicos da nossa alimentação que hoje constituem um dos itens mais preocupantes da agenda ambiental global, uma vez que o setor agropecuário é um dos principais consumidores dos recursos naturais do planeta.

Vale lembrar que um dos marcos importantes do movimento ambientalista contemporâneo foi o lançamento do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, na qual se questionou pela primeira vez o papel dos pesticidas na indústria norte americana. Hoje se constata que os consumidores de maneira geral têm uma consciência clara de que o consumo tem grande impacto no seu bem-estar pessoal, afetando inclusive sua longevidade.

Assim sendo, as decisões relativas ao consumo passaram nas últimas décadas a refletir opções de natureza política, na acepção mais positiva da palavra. Representando essa tendência, há uma migração importante da política tradicional para novos atores sociais, uma vez que os agentes políticos tradicionais não conseguem mais atender as novas demandas da sociedade. Isto não quer dizer que se está abrindo mão da democracia tradicional, ou seja, a representação política nos parlamentos através de eleições, mas sim um processo complementar diante de uma sociedade cada vez mais complexa. Toda vez que vemos alguém vestindo uma camiseta da SOS Mata Atlântica ou de qualquer outra ONG, o que se está fazendo é uma manifestação em favor de uma causa, num mundo em que o cidadão tem dificuldades em ver as suas opções políticas acolhidas na forma e intensidade que as julga merecedoras e necessárias.

Do ponto de vista prático, de efetividade, acredito que a politização do consumo trará benefícios muito claros para o interesse público, à medida que obrigará em última instância o setor empresarial, responsável pela oferta de bens e serviços, a internalizar em sua agenda as demandas do consumidor - estas não mais entendidas exclusivamente como sendo da utilidade última dos bens - incluindo o caráter simbólico do consumo na sociedade de hoje. Por esta razão, iniciativas importantes têm ocorrido no mundo e no Brasil, a exemplo da idéia da construção civil sustentável.

Recente relatório do PNUMA (Buildings and Climate Change - Status, Challenge and Opportunities) demonstrou que edifícios que levam em consideração a eficiência energética podem consumir muito menos energia do que seus similares que não incorporam esta preocupação, o que traz concretamente uma importante constatação: quanto menos energia no uso dos mesmos, menor a necessidade de ampliação ou manutenção da infra-estrutura de energia, ou seja, menos hidroelétricas, usinas nucleares, enfim, menor impacto na natureza.

O mesmo raciocínio se aplica na construção dos mesmos, valendo lembrar o exemplo da areia: a maior parte desse insumo utilizado no país é originária de extração ilegal, deixando de observar a legislação ambiental que exige a recuperação das áreas após o seu esgotamento, de modo que temos como legado enormes cavas a céu aberto, com problemas sérios do ponto de vista da utilização dessas áreas após seu uso.

A idéia da sustentabilidade nesses casos parte do engajamento dos participantes da cadeia produtiva, num processo de negociação permanente, que assegura ao consumidor final o atendimento de certos critérios básicos, que tendem a se tornar cada vez mais rigorosos. No caso da areia, o primeiro requisito a ser exigido pelas construtoras ou adquirentes do insumo deveria ser a legalidade da extração, de modo que com isso aqueles fornecedores que descumprem a legislação estariam excluídos do mercado por força dele mesmo, reforçando assim a ação das autoridades ambientais que notoriamente são incapazes de garantir o cumprimento da lei.

Vamos citar o caso de São Paulo, um dos estados com melhor aparato governamental: a Polícia Ambiental possui dois mil e duzentos policiais militares para fiscalizar os seiscentos e quarenta e cinco municípios paulistas, o que significaria numa conta aritmética menos que quatro policiais por município. Levando-se em conta que o turno médio de trabalho equivale a oito horas, teríamos praticamente um policial ambiental por município, o que evidentemente demonstra a necessidade de estratégias inovadoras para que o uso dos recursos naturais e a conservação ambiental sejam feitos num patamar aceitável, já que num país com os índices de violência que conhecemos torna-se inviável politicamente aumentar o contingente de policiais militares alocados na Polícia Ambiental.

No Brasil, sob liderança do empresário Marcelo Takaoka e dos Professores da Faculdade Politécnica da USP Vanderley John e Orestes Gonçalves, foi criada recentemente uma entidade denominada Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (www.cbcs.org.br), cujos objetivos são, dentre outros, produzir referências técnicas de sustentabilidade e desenvolver metodologias para avaliação da sustentabilidade de serviços e empreendimentos. Embora sediado no Brasil, tal Conselho está se articulando com iniciativas similares no mundo, uma vez que na sociedade globalizada certos padrões tendem a se universalizar positivamente. Tal interação é extremamente importante pelo simples fato de que os mesmos tendem a se transformar num importante fator de pressão sobre os agentes econômicos, valendo citar a pressão exercida sobre marcas importantes no caso de utilização de mão-de-obra infantil ou mesmo escrava.

A importância das construções sustentáveis se denota também através de seu crescente destaque na mídia (vide, mais recentemente, duas publicações da Folha de São Paulo: Construção e decoração verde tipo importação e Por que eles são mais verdes?). Voltando aos exemplos, bastaria que as principais construtoras brasileiras se recusassem a adquirir "areia ilegal" para que pudéssemos coibir definitivamente a extração ilegal da mesma sem a necessidade de mais dispêndio de recursos públicos e de forma a evitar situações geradoras de corrupção na ponta (cobrança de propina para tolerar as ilegalidades...).

O grande desafio da sustentabilidade em termos de Consumo Sustentável está no desenho dos bens e serviços, isto é, na exigência de que os mesmos sejam projetados e planejados de modo que na etapa pós-consumo possamos atender a demanda de reintroduzí-los no ciclo de mercado, sem ou com a menor necessidade possível de utilização de novas matérias-primas ou agregação de mais energia. Para tanto, o que é importante é a consciência de que o planeta possui limites em termos de uso e exploração de seus recursos naturais e quanto a sua capacidade de absorver poluição.

Se até recentemente a necessidade dessa consciência se colocava basicamente na esfera ética, podemos dizer que com os últimos relatórios da ONU estamos diante de uma situação que exige medidas urgentes e imediatas, vez que as conseqüências da ignorância desses limites estão cada dia mais evidentes no cotidiano de cada um de nós. A lição que transcende o aquecimento global é a idéia da existência de limites para a Humanidade como um todo e para cada um de nós enquanto cidadãos do planeta e consumidores, em última instância, de seus recursos naturais. Assistiremos nos próximos dez anos a construção de processos de certificação que irão possibilitar que as nossas escolhas sejam feitas de acordo com critérios que indiquem menor uso de água, energia, produtos químicos, e simultaneamente respeito a imperativos de justiça social.

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Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

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