terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Relação dos brasileiros com a água é a pior possível

Em bate-papo sobre O Futuro da Água - promovido pela National Geographic Brasil, com o apoio do Planeta Sustentável -, especialistas afirmam que a relação que a população tem com a água está longe de ser satisfatória, o que acarreta em problemas de distribuição e contaminação e, ainda, em tragédias ambientais, como as enchentes ocorridas no início deste ano. O encontro ainda marcou o lançamento da edição especial da revista NG sobre o tema

Débora Spitzcovsky - Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentável - 23/03/2011

No dia 22 de março de 2011, comemorou-se, mundialmente e pela 18ª vez consecutiva, o Dia da Água. Para celebrar a data, a revista National Geographic Brasil lançou sua edição especial e reuniu especialistas para bate-papo sobre O Futuro da Água, com o apoio do Planeta Sustentável. Com mediação de Matthew Shirts, redator-chefe da revista e coordenador do nosso movimento, participaram do encontro Mário Domingos, pesquisador do Instituto Sangari e curador científico da exposição "Água na Oca", Édison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, e Renato Tagnin,consultor ambiental e co-organizador do livro Administrando a água como se fosse importante.

Durante a conversa, os participantes deixaram claro que, apesar de possuir água em abundância - afinal, o Brasil abriga 11% de toda a água doce do planeta e menos de 3% da população mundial -, o país não tem tantos motivos para comemorar o Dia Mundial da Água. Pelo contrário. "O primeiro grande problema diz respeito à distribuição do recurso no país. Apesar da água doce ser abundante no Brasil, ela está concentrada na região norte e, portanto, distante da maioria da população", explicou Mário Domingos. Mas o problema não é apenas geográfico: "Nos grandes centros urbanos, o consumo do recurso é excessivo, o que faz com que os reservatórios não consigam dar conta de toda a demanda da população, e a pouca água que temos está cada vez mais contaminada, por falta de consciência das pessoas e, também, de sistemas de esgoto adequados", completou o pesquisador do Instituto Sangari.

O problema do saneamento básico no país foi citado pelo presidente-executivo do Trata Brasil, Édison Carlos. Segundo o especialista, o Brasil é o 9º colocado no Ranking Mundial da Vergonha, que lista as nações que possuem o maior número de habitantes sem acesso ao banheiro. "São cerca de 13 milhões de brasileiros que, atualmente, fazem suas necessidades a céu aberto. Nós só perdemos para países muito podres da Ásia e da África, como a Nigéria. É realmente uma vergonha! Nem parece que somos a potência em progresso que aparece todos os dias nos noticiários. A cobertura de saneamento no Brasil não condiz com uma nação que aspira ter destaque global", disse Carlos.

Ele ainda citou um outro ranking mundial, o do IDH - Indíce de Desenvolvimento Humano, em que o Brasil também não está bem colocado por culpa da falta de saneamento básico. "Ocupamos a 73ª posição nessa lista. Além do aumento da renda do país, o que nos levaria para uma melhor colocação no ranking seria a diminuição da mortalidade infantil e melhorias na educação: dois fatores altamente relacionados ao saneamento básico", opinou Carlos, com base em dados divulgados pelo próprio Trata Brasil, que atestam que diariamente sete crianças morrem no país, vítimas de diarréia, por morarem em lugares que não possuem coleta de esgoto. E mais: os pequenos que ficam expostos a esse tipo de resíduo aprendem 18% menos.

No bate-papo, Renato Tagnin lembrou de outro grande problema que o país enfrenta, quando o assunto é água: a ocupação urbana nas áreas de várzea dos rios. "Em nome dos interesses imobiliários, essas regiões estão sendo aterradas. Pensamos que podemos medir forças com a natureza, que a tecnologia e a arquitetura poderão resolver qualquer problema, mas não é bem assim e as enchentes são prova disso. A prevenção deveria ser prioridade na gestão da água. Antes de nos preocuparmos onde ‘enfiaremos’ a água da próxima enchente, deveríamos lutar por cidades mais compactas", afirmou o especialista.

Segundo Tagnin, entre os prejuízos que a ocupação urbana em áreas de várzea pode trazer para os moradores da cidade, além das clássicas enchentes e inundações, estão:
- a maior vulnerabilidade à contaminação das águas subterrâneas, já que, por não serem regiões urbanas, essas áreas não possuem serviços de saneamento adequados, o que faz com que os dejetos sejam jogados a céu aberto, contaminando os lençóis freáticos;
- o aumento das ilhas de calor, que, além de intensificarem o aquecimento global, desregulam e aumentam o volume das chuvas e
- o aumento da contaminação da água da chuva, que, para continuar limpa, deveria cair em regiões de manancial, mas ao cair em áreas urbanas se contamina com a poluição atmosférica antes mesmo de chegar ao chão.

COMO RESOLVER O PROBLEMA?

Conscientizar a população é fundamental para resolver os problemas relacionados à água no país, na opinião de todos os especialistas presentes no bate-papo promovido pela National Geographic e pelo Planeta Sustentável. "As questões de saneamento básico são responsabilidade da prefeitura, mas o problema não é apenas político. O governo se pauta pelo olhar do cidadão e também se aproveita da sua falta de olhar. Muitas pessoas não exigem ações de saneamento básico porque enxergam essa questão, apenas, como uma conta a mais para pagar no final do mês. Enquanto elas não forem conscientizadas de que se trata de muito mais do que isso, de que saneamento é questão de saúde e educação, as coisas não vão mudar", disse Édison Carlos, que ainda completou: "A estrutura de saneamento básico no Brasil possui uma defasagem de mais de 20 anos, porque, além de não haver interesse político, há pouca cobrança da população".

Como exemplo dessa situação o profissional do Trata Brasil lembrou que, há quatro anos, o PAC destinou R$ 40 bilhões para as prefeituras investirem em questões de água e saneamento, mas até hoje só 3% dessas obras foram concluídas. "O dinheiro está lá, mas as coisas não são feitas porque falta vontade política e interesse da população. É preciso cobrar! Afinal, pagamos impostos para isso", afirmou Renato Tagnin.

Mas, para o pesquisador do Instituto Sangari, Marcos Domingos, apenas conscientizar a sociedade sobre a importância da água e do saneamento básico não é suficiente. "Esta é só a primeira etapa de um problema muito mais complexo. É preciso fazer as pessoas, de fato, mudarem seu comportamento. Quem fuma, por exemplo, sabe dos malefícios do cigarro, mas ainda assim o traga. Ou seja, além de conhecer a importância da preservação da água, as pessoas precisam aprender a tratá-la bem e isso só é possível com a educação", disse o especialista, que ainda acredita que os jovens devem ser o foco dessas ações educativas. "Afinal, serão eles que escolherão os próximos representantes responsáveis pela gestão da água no país", completou.

A INICIATIVA PRIVADA PODE AJUDAR?

Na segunda parte do encontro, os três especialistas responderam perguntas e também debateram a respeito da contribuição que as empresas privadas podem dar ao país, quando o assunto é água e saneamento básico. "Essa é uma questão polêmica, porque muitos acham que, por ser um bem público, a água deve ser gerida, apenas, por empresas do governo. Eu discordo. Para nós, do Instituto Trata Brasil, não importa se o apoio é público ou privado, mas, sim, se é eficiente. Ou seja, se as empresas privadas ajudarem a melhorar os serviços de água no país, por que não?", questionou Édison Carlos.

Segundo ele, se forem realmente sérias, as companhias privadas podem oferecer muitos benefícios para o setor, já que, por possuírem contrato de concessão, elas só ganham dinheiro caso cumpram as metas estabelecidas no documento. "Isso aumenta o empenho das empresas. E tem mais: por terem menos funcionários do que as companhias públicas, elas têm mais chances de acumular capital - porque pagam bem menos salários - para investir na melhoria dos seus serviços", acrescentou.

O pesquisador do Instituto Sangari, Marcos Domingos, concorda com Carlos e ainda lembra que muitas empresas privadas já estão realizando ações em prol da conservação da água. "Afinal, elas dependem do recurso para produzir e, consequentemente, ganhar dinheiro. Felizmente, cada vez mais companhias estão vislumbrando isso e apostando na preservação da água", concluiu.

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